Dentro da série de matérias que marcam o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, conversamos com Paulo Azarias, coordenador do Movimento Negro Unificado em Juiz de Fora. Na entrevista, temas como o racismo religioso, a união dos movimentos sociais, a unificação de bandeiras e o uso correto da linguagem como forma de combater o racismo. Acompanhe.
1 – O que pode ser dito sobre o momento atual no Brasil, especificamente sobre a intolerância sobre as religiões de matriz africana?
É importante contextualizar. A intolerância religiosa ou o racismo religioso vem se desenrolando desde do processo da colonização desse país, trazendo os africanos como escravizados, junto com o demonizar das crenças e da fé de matriz africana. Neste momento atual, com a ascensão de Bolsonaro, o discurso de extrema direita, fascista, aumentou muito o grau de violência contra religiões de matriz africana. Então é esse processo de disseminação da intolerância que tem afetado de forma cada vez mais grave as práticas e as religiões de matriz africana.
2 – Como essa intolerância se insere no contexto geral do racismo?
O racismo, como um processo estrutural no Estado e na sociedade brasileira, tem causado, ao longo dos anos, um prejuízo muito grande para a população negra, tanto em relação à violência policial: todos os dados demonstram o aumento, a cada ano que passa, da letalidade, por parte do estado, com relação às populações negras e periféricas; quanto na questão da saúde: a gente vê os dados sobre covid-19, em que o maior número de atingidos é a população negra; igualmente na questão do desemprego e na população carcerária. No campo das religiões de matriz africana, esse quadro não é diferente do que relatei anteriormente. É um processo que, em algumas comunidades no Rio de Janeiro e aqui em Minas Gerais também, organizações paramilitares têm expulsado lideranças de religiões de matriz africana. Nós temos visto aí uma escalada muito grande da violência, não só simbólica, mas física mesmo, com relação às estas religiões.
3 – Como se dá a questão em Juiz de Fora?
Juiz de Fora não é uma ilha né? Está inserida neste contexto de disputa, onde o discurso do ódio tem causado um retrocesso civilizatório. Vemos ataques sistemáticos, seja por meio de vereador que ataca indiscriminadamente as religiões de matriz africana, seja por meio de cultos de religiões fundamentalistas e até ações, ameaças e tentativas mesmo de inviabilizar a prática das religiões. Juiz de Fora está neste processo em que aumentou muito a intolerância religiosa.
4 – Qual é o quadro atual das políticas de combate ao racismo no país?
O movimento negro organizado tem feito várias ações num processo importante de unificação. As entidades têm se organizado e buscado ter uma relação com o campo da esquerda e com outras organizações populares, para fortalecer no combate ao racismo. Um exemplo disso, é essa marcha do dia 20 de novembro, onde se trabalha no sentido de unificar todo o movimento contrário ao Bolsonaro. De se fazer fortalecer a denúncia do racismo e, ao mesmo tempo, mostrar para a população a necessidade da derrubada do governo Bolsonaro. Também temos formulado propostas no campo partidário de esquerda. Momento em que muitos negros e negras têm se apresentado para candidaturas. Pela primeira vez, nas eleições passadas houve um aumento significativo de vereadores e vereadoras negras. O que reflete muito o acúmulo das lutas negras ao longo desses anos.
5 – Como os movimentos sociais têm atuado nesta luta?
Essa é a grande questão que está colocada para todos os movimentos sociais. A necessidade de se construir programas, projetos, uma plataforma comum a todos os oprimidos. Então é necessário que a luta das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, dos ambientalistas, dos sindicatos, se articulem no sentido de assumir as bandeiras uns dos outros. Não dá mais para termos lutas isoladas. Então este é o grande desafio que está colocado para o movimento como um todo: A necessidade de construir um grande projeto anticapitalista, antimachista, antirracista e anti lgbtqia+fóbico. Um projeto que defenda o meio ambiente, a ecologia, que defenda a cultura.
6 – Nós jornalistas às vezes sofremos com dúvidas a respeito dos termos politicamente corretos a serem escritos ou ditos: “racismo religioso”, “raça negra”, “etnia”, “pretos”, “pardos” etc. Como poderíamos melhorar essa comunicação?
No processo de formação e construção de conceitos, nós entendemos os profissionais, principalmente da comunicação, como fundamentais. E nós nos dispomos a construir, coletivamente, um conjunto de normas que poderia contribuir na elaboração de matérias, na abordagem desses temas. Primeiro, assumir a Raça Negra, não enquanto um sujeito biológico, mas enquanto uma categoria social, que historicamente foi extremamente discriminada, no processo da violência contra Raça Negra. Para nós, o conceito de intolerância religiosa é um conceito muito cristão e nós entendemos que aí passa pelo racismo, e afirmamos que é o racismo religioso, em função da origem das religiões de matriz africana E essa questão, a discussão de “Pardo” … “Moreno”, o movimento negro, durante anos, vem lutando junto ao IBGE para que seja colocado no Censo apenas a raça negra. Porque o Censo contribui muito com essa questão (do racismo) quando ele coloca branco, preto ou pardo, coloca cor. Então esse é um debate muito importante que estamos dispostos a construir junto com os profissionais da imprensa. Um conceito que não seja discriminatório e que cada vez mais busque elevar a consciência da população. No conceito biológico, raça é raça humana e aí nós trabalhamos Raça Negra enquanto uma categoria histórica que continua sofrendo os mais diversos ataques econômicos, sociais e culturais.
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