No dia 13 de maio de 1888 foi assinada a Lei Áurea. Fruto de um processo iniciado em 1868, com a participação e mobilização de diversos grupos abolicionistas, a sanção da lei terminou oficialmente com o trabalho escravo no Brasil. Apesar de ser uma conquista, a forma como tudo ocorreu, eximindo a classe dominante da responsabilidade pela manutenção e segurança da população liberta, não garantiu a população negra condições dignas de inserção na sociedade. Não foi ofertada qualquer indenização pelos anos de escravidão, e a lei, não criou nenhum mecanismo de amparo e inclusão no mercado de trabalho.
Deste modo, ao longo da história, a omissão do Estado brasileiro é responsável pela condição de miserabilidade e vulnerabilidade enfrentada por negros e negras, agravada ainda pelo preconceito e o racismo estrutural. Pessoas negras, principalmente mulheres, ainda nos dias atuais encontram maiores dificuldades para serem aceitas no mercado de trabalho, e acabam entrando na informalidade, muitas vezes ocupando cargos mal remunerados.
Neste 13 de maio, data em que se completam 135 anos da falsa abolição da escravidão, é preciso refletir. Para que as cicatrizes comecem a sarar, é necessário, primeiro, reconhecer que a ferida da escravidão em nossa sociedade ainda está aberta e sangrando. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 72% dos homicídios da última década foram contra pessoas negras. Em 2021, 67,5% da população carcerária do Brasil (aproximadamente 537 mil pessoas) era de pessoas negras. Foram registrados 13830 crimes de injúria racial e mais de 6000 de racismo naquele ano. As mulheres negras representaram 62% das vítimas de femínicidio, foram vítimas em 70,7% das mortes de violentas intencionais e vítimas em mais de 52% dos casos de estupro e estupro de vunerável em 2021.
E como se esses dados não fossem assustadores e revoltantes o suficiente, somente no primeiro semestre de 2023 foram 918 casos de resgate de pessoas encontradas em situações de trabalho analoga a escravidão. Um aumento de 124% em relação a 2022 e sendo o recorde para um trimestre em 15 anos.
Segundo a coordenadora de aposentados do SINTUFEJUF, Isabel Cristina Nascimento, o povo negro do Brasil sofre com diversos tipos de violência historicamente. “A história criou o tempo inteiro um ‘capitão do mato’ para perseguir, para prender, para prender e para achar quem estava domesticando. Hoje, mesmo com toda história trágica dos séculos passados, reivindicamos direitos iguais, reconhecimento como seres humanos. Mas acontece que nos libertamos das amarras, mas as pessoas ainda não viram isso. Exemplo é que nossas crianças e adolescentes, são vistos, muitas vezes, como os marginais do futuro”.
Para a coordenadora, um reflexo direto do desconhecimento da história acerca do que foi a escravidão no Brasil são as aindas escassas políticas públicas voltadas para a população negra e o racismo estrutural sofrido por negras e negros.
Escravidão em Juiz de Fora
Fundado no início do século XVIII, o Distrito do Santo Antônio do Juiz de Fora sempre teve forte presença de pessoas negras e pardas na formação e na construção do município. Segundo o Arquivo Público Mineiro, constam nas Listas Nominativas de Habitantes que, em 1831, 80% da população de Juiz de Fora era negra ou parda. Ou seja, no início da ocupação do que seria a cidade, 8 em cada 10 pessoas era negra ou parda.
Mas por que essas pessoas não estão representadas no imaginário social da cidade?
Para a coordenadora de aposentados, Isabel Cristina Nascimento, o negro só serviu para a construção da cidade. “Quem construiu as leis e as políticas, na maioria das vezes, foram pessoas brancas. O sistema não foi pensado pelo e para o povo negro. Ficamos totalmente afastados, a periferia não foi reconhecida. Até os dias de hoje, a população negra é expressiva em números, mas relegada a trabalhos voltados ao setor de serviços, não ajudamos a construir as políticas e as leis”.
Outro dado que contribui para termos a dimensão do apagamento histórico que houve em Juiz de Fora é que, na segunda metade do século XIX, a cidade tinha o maior número de pessoas escravizadas no estado de Minas Gerais. Nesse período, Minas era a província com o maior número de pessoas escravizadas do Brasil e a segunda com o maior número de pessoas livres descendentes de africanos. Foi neste contexto que Roza Cabinda viveu.
Propriedade do comendador, escravocrata e, por muitos, fundador de Juiz de Fora, Henrique Halfeld, Roza foi um exemplo de luta, que conseguiu na justiça a própria liberdade. Tendo juntado dinheiro suficiente para comprar sua alforria, Roza teve o pedido recusado pelo senhor de escravos, que alegou que ela deveria pagar um valor maior por sua liberdade. Ela entrou na justiça contra Halfeld e venceu, conquistando assim sua liberdade, em 2 de julho de 1873.
Provavelmente neste mesmo contexto do século XIX que fez surgir, onde hoje é o bairro Dom Bosco, um quilombo. Em artigo intitulado “A RACIALIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM JUIZ DE FORA-MG: UMA EXPERIÊNCIA NO BAIRRO DOM BOSCO”, de Ana Claudia de Jesus Barreto e Warllon de Souza Barcellos, há o relato do senhor Isaías, morador do bairro desde 1932.
De acordo com o morador do “Pequeno Quilombo”, como se referiu ao bairro em entrevista com os pesquisadores, ao chegar no bairro havia “uma presença grande de ex-escravos e seus descendentes oriundos das fazendas de café (São Mateus e Salvaterra). Conforme esse antigo morador, as casas eram simples, feitas de sapé, o chão de terra batida e uma única estrada, chamada São Francisco, cortava o morro ‘Serrinha’, ligando a cidade ao Distrito de São Francisco. A água era de bica e a luz de candeeiro”. No local ainda há a presença de um cemitério de escravos, de acordo com a autora do livro “Negras Memórias da Princesa de Minas – Memórias e Representações Sociais e Práticas Religiosas de Matriz Africana”, Gilmara Santos Mariosa.
Estes são apenas dois exemplos de que a mobilização pelo fim da escravidão contou com o envolvimento de diversos setores das classes populares, da luta das escravas e escravos, além do apoio dado por intelectuais. Esta luta foi travada não apenas nas capitais, mas por toda dimensão do território nacional.
Racismo na UFJF
No último dia 5, o SINTUFEJUF, juntamente com outras entidades, compôs no Restaurante Universitário (RU) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) um ato de repúdio em decorrência do crime de racismo praticado ontem, na universidade. Na noite desta quinta-feira, um estudante branco recusou receber os alimentos das mãos de uma funcionária alegando que: “não pegaria alimento da mão de uma pessoa negra”.
Durante o ato, a coordenadora geral do SINTUFEJUF, Maria Angela Costa, defendeu o acolhimento a funcionária e incentivou todos que testemunharam o ocorrido a “levantarem suas vozes” e denunciarem junto à PM e a ouvidoria da UFJF. “Infelizmente o racismo, o machismo, a homofobia, além de diversas outras mazelas sociais, são problemas estruturais de nossa sociedade. Precisamos brigar muito, mas muito mesmo, para conseguir transformar a sociedade e acabar com isso”.
A coordenadora ainda acrescenta que: “é um absurdo estar dentro de uma universidade e atos como esse se repetirem de uma maneira tão cruel e acontecerem quase que cotidianamente. Além disso, outros tipos de assédio, como o moral e o sexual, também são constantes. Devemos continuar protestando e buscando instituições que visem mudanças estruturais para que violências como desta quinta-feira parem de acontecer”.
Também participou do ato a coordenadora, Luana Lombardi, que destaca que não basta não ser racista, é preciso também ser anti racista. “Nós, pessoas brancas, temos que nos responsabilizar por cada caso de racismo que ocorre dentro da universidade, ou dentro da sociedade. O racismo não é responsabilidade das pessoas negras. Elas sofrem o racismo. Temos de lutar todos os dias, em qualquer ambiente, para que esse crime não ocorra mais”.
Além disso, em 2020, houve um escândalo em relação a denúncias de fraude de cota na universidade. Segundo apuração do jornal O Pharol, houveram 301 denúncias de fraude. de acordo com o Código Penal Brasileiro fraudar cotas não é considerado crime, porém o fraudador pode ser enquadrado no crime de falsidade ideológica e responder legalmente por seus atos.
Dia 13 de maio
O dia 13 de maio é uma importante data para refletir e lutar por direitos, oportunidades, contra o racismo, pelo fim das chacinas e do genocídio negro.
Salve nosso povo negro de luta! Salve Roza Cabinda! Salve Zumbi dos Palmares!
Por justiça para as vítimas de todas as operações policiais que resultaram em mortes na periferia brasileira!
Não ao racismo!
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