Nota cautelar sobre as desigualdades de gênero, sexualidade, raça e classe, necessárias que sejam observadas para o diagnóstico das condições de acesso digital na UFJF

02/06/2020

Ao nos depararmos com o questionário para o Diagnóstico das Condições de Acesso Digital disponibilizado pelo SIGA, organizado, planejado e convocado pela Administração Superior da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), de hoje até o dia 11/06/2020, nós, docentes, pesquisadoras e pesquisadores, estudantes e TAEs nos surpreendemos com a forma como a QUESTÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE é tratada no instrumento de coleta desses dados. Logo no começo do questionário, como terceira pergunta, observa-se a seguinte questão: ESTA QUESTÃO É OPCIONAL. CASO DESEJE, INFORME SEU GÊNERO. O espaço para resposta a essa questão é um quadrado em branco, fazendo com que a/o informante da comunidade acadêmica, se quiser, responda ou não. Muito diferente para outras perguntas para as quais o sistema exige a completa resposta ou mesmo oferece alternativas como é o caso da quarta pergunta: “Qual a sua identidade étnico-racial?”, aparecendo para a/o informante um leque restrito de alternativas, em que a pessoa deverá escolher dentre as cinco, uma: “branca, negra, indígena, amarela e prefiro não responder”.

Essa questão gerou incômodo e estranhamento de quem está envolvida/o em suas atividades acadêmicas e administrativas na UFJF, com investimento de tempo e intenso trabalho com esses temas no campo dos estudos das relações de gênero, sexualidade e raça/etnia. Atuamos em várias áreas de conhecimento, nos ensinos de graduação e pós-graduação, nos projetos e grupos de pesquisa, nos programas e projetos de extensão, nas produções de conhecimentos, seja na forma de trabalhos acadêmicos monográficos de graduação e pós-graduação, como em artigos científicos, capítulos de livros e livros, assim como na gestão. Identificarmos nesse procedimento o silenciamento e a invisibilidade que as questões de gênero, as identidades e expressões de gênero e as diversas orientações afetivo-sexuais, ainda persistem no meio universitário.

Além disso, na maioria dos eventos científicos de determinadas áreas e nos do campo dos estudos de gênero e sexualidade, tais como, Seminário Internacional Fazendo Gênero, Seminário Internacional Desfazendo Gênero, Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades, Congresso Internacional da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), e que inclusive a UFJF já o sediou em 2016, dentre outros, já é utilizado um modelo para identificação dos marcadores sociais de diferença, como gênero, sexualidade, raça/etnia, território etc., dada a expertise de suas e seus pesquisadoras/es.

A UFJF que nunca se omitiu frente às dissidências sexuais e de gênero, aprovando Resoluções do CONSU sobre uso dos banheiros e do nome social, o Fórum Permanente da Diversidade – DIAAF, cotas em alguns programas de pós-graduação, diversas reportagens da Diretoria da Imagem Institucional sobre o 17 de maio e tantos outros eventos de pesquisa e extensão, oriundos de programas e projetos de extensão e de projetos e grupos de pesquisa que tratam desses temas, inclusive com a segunda turma do Curso de Especialização em Relações de Gênero e Sexualidades: Perspectivas Interdisciplinares em pleno andamento, além de tantas disciplinas na graduação e pós-graduação. Todos esses são espaços de transmissão e de produção do conhecimento das/os suas/seus pesquisadoras/es. No entanto, por algum lapso, no momento de confecção do tal questionário, a instituição optou por invisibilizar e silenciar as vidas de mulheres e LGBTQI+, estudantes, docentes e TAEs. Como se não bastasse todo o sistema cisheteronormativo, as hierarquias, padrões e normas de gênero e o racismo institucional, ambiental e estrutural, essas questões seguem sendo diminuídas.

Sabemos que a dita “minoria” não vai alterar referido questionário em curso, tendo em vista a sua aplicação no SIGA, mas fica aqui registrado o nosso questionamento e posicionamento político, na medida em que o desconhecimento de tais temas e questões não se dá pela falta de acesso à informação ou ao conhecimento, nem mesmo pela ausência de formação, porque disso temos demais e bem divulgados cientificamente. Temos que estar atentos/as para que uma omissão não seja compreendida como imperativo do preconceito e da discriminação, comumente denominados de misoginia, LGBTQIfobia e racismo, pois acreditamos que não tenha sido esse o sentimento que estruturou a intencionalidade de elaboração do questionário. Nas jornadas anti-gênero e anti-LGBTQI+ deflagradas pela extrema direita no mundo e em nosso país, não existe neutralidade. Os dados têm nos mostrado que a Pandemia tem atingido às mulheres, à população LGBTQI+ e à população negra de maneira muito significativa. A violência doméstica contra as mulheres aumentou em 50%, a população LGBTQI+ sofre um grande impacto por conta das questões relacionadas à saúde mental, situação socioeconômica, inclusão digital e violência. O número de negros/as mortos/as por coronavírus nas últimas semanas é cinco vezes maior no Brasil, tendo um risco 62% maior de morte do que os/as brancos/as. Para nós, importa saber, também, para além do foco da pesquisa ser sobre o acesso à internet, quem são e como estão esses sujeitos física, mental, psíquica, social e economicamente no distanciamento físico. Os noticiários informam sobre o aumento de violências contra as mulheres, LGBTQI+ e negras e negros, principalmente, quando em espaços familiares. Desse modo, frente a todas essas variantes, nos interessa saber se esses sujeitos têm a possibilidade de atender as demandas de trabalhos e formação remota.

Juiz de Fora, 28 de maio de 2020

Corpo Docente do Curso de Especialização em Relações de Gênero e Sexualidades: Perspectivas Interdisciplinares

GESED – Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade

GEDIS – Grupo de Estudos e Pesquisas em Sexualidade, Gênero, Diversidade e Saúde: Políticas e Direitos

PPS – Grupo de Pesquisa em Psicologia Social, Políticas Públicas e Saúde

REDUGE – Grupo de Pesquisa em Religião, Educação e Gênero

ISE – Grupo de Pesquisa Interação, Sociedade e Educação

CeR-LGBTQI+ – Centro de Referência de Promoção da Cidadania de LGBTQI+

DIVERSE- Observatório da Diversidade Sexual e de Gênero: Políticas, Diretos e Saúde LGBT

Projeto de Extensão “Identidades, Cidadania e Inclusão LGBTQIA: IV Semana Rainbow da UFJF”

Travessia Grupo de Pesquisa

APES – Associação dos Professores do Ensino Superior

SINTUFEJUF – Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições Federais de Ensino de Juiz de Fora

Coletivo Marielle Franco – Mulheres UFJF

Coletivo Força Trans

Associação Mães pela Diversidade – Juiz de Fora

Instituto de Educação e Cidadania – Centro de Referência de Direitos Humanos (IEC/CRDH) Juiz de Fora e Território Mata

RevoluTrans – JF

8M Juiz de Fora

Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro

Movimento Correnteza-UFJF

UP – Unidade Popular pelo Socialismo

DAPJS – Diretório Acadêmico Padre Jaime Snoek – Serviço Social

CACIR – Centro Acadêmico de Ciência da Religião

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