Monoparentalidade feminina: TAEs mães solo falam sobre os desafios e dificuldades da jornada de trabalho e criação dos filhos

27/05/2022

A maternidade solo no Brasil, país marcado pela cultura machista, sexista e patriarcal, representa uma série de desafios. Seja por motivo de divórcio, viuvez, adoção, escolha ou abandono, as mães solo são as mulheres que são as principais, ou únicas, responsáveis pelas filhas e filhos. Elas se desdobram para conciliar trabalho, educação, cuidados com as crianças até a fase adulta, responsabilidades financeiras e demais aspectos de sua vida social, o que muitas vezes afeta sua saúde mental. 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a monoparentalidade feminina atinge 12 milhões de mulheres no país, sendo mais de 64% as que vivem abaixo da linha da pobreza. Ainda segundo o IBGE, 61% das mães solo são negras, sendo que estas enfrentam ainda maiores restrições de condições de moradia, saneamento e trabalho formal, pois são a maior parcela da população ocupando os cargos com menores remunerações.

Nas duas últimas décadas, o número de famílias chefiadas por mulheres praticamente dobrou. De acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, de 1995 a 2015, este índice saltou de 22% para 40%. Segundo o IPEA, as mulheres trabalham cerca de 7,5 horas a mais do que os homens em uma semana, considerando sua jornada dupla de trabalho, entre emprego e atividades em seu próprio lar.

Além de todas as dificuldades citadas, essas mulheres enfrentam também o preconceito. É muito comum o olhar de julgamento sobre as mães solo, acreditando que essa condição tenha sido resultado de irresponsabilidade ou inconsequência por parte da mulher, uma vez que, grande parte da sociedade ainda considera como família apenas aquela formada pela configuração de pai, mãe, filhos e filhas, excluindo as famílias formadas por mães solo, casais homossexuais e demais configurações de família.

As técnico-administrativas em educação da UFJF Paula e Juliana (nomes fictícios, pois preferiram não se identificar) revelam os desafios da maternidade solo. Elas não se definem enquanto “guerreiras”, termo romantizado e utilizado para “elogiar” mulheres que se desdobram entre diferentes rotinas, colocando-as numa posição de imbatível e inabalável, sob o peso de que nunca poderão falhar. “Não acho que sou guerreira. Sou sobrecarregada e massacrada por uma sociedade machista que prega que mulher tem que dar conta de tudo. Sou guerreira em outras situações que me fazem persistir apesar das adversidades, como é a questão da minha saúde”, afirma Paula.

Mãe de um bebê de dois anos, Paula conta que lutou muito para ser mãe. Tendo uma doença autoimune neuromuscular, a indicação era de que não engravidasse. Assim, ela entrou na fila de adoção, mas em 2017 iniciou um tratamento que surtiu efeito. “No final de 2018 o médico me liberou para engravidar, engravidei no primeiro mês de tentativa, mas perdi. Fiz alguns exames e descobri trombofilia. Em junho de 2019 engravidei novamente e tive que tomar injeções diárias para manter a gestação. Em fevereiro de 2020 meu filho nasceu”, conta Paula. Segundo ela, após o nascimento do bebê passou a olhar mais para si e percebeu que não cabia mais em seu casamento. “Eu estava sozinha nele. Demorei um tempo para verbalizar isso, mas consegui. E desde então tenho enfrentado essa missão tão maravilhosa e ao mesmo tempo tão desafiadora que é a maternidade”, explica.

Logo após o nascimento do filho de Paula o mundo inteiro enfrentava a pandemia da Covid-19, e com isso, junto ao puerpério vieram muitos medos e angústias. “Tive muito medo de pegar covid por causa da doença autoimune que tenho, pois tenho sintomas respiratórios e para mim era mais perigoso ainda. E tive medo pelos meus pais, irmãs e principalmente pelo meu filho que não tinha nenhuma imunidade ainda. Passei noites em claro amamentando e a cabeça não parava de funcionar e era muito angustiante”, desabafa.

Entre os desafios de ser mãe solo, Paula destaca a carga física e mental direcionada somente a ela. “Não temos com quem dividi-las. Os gastos, mesmo com a pensão, ficam a maioria com a mãe. O ex usa o filho para nos desestabilizar emocionalmente. Abdicamos de muita coisa pelo filho quando não somos solo, mas quando somos, isso fica muito maior”, explica.

Mãe desde muito jovem, a TAE Juliana conta que nunca teve apoio do pai de seu filho, e que inclusive preferiu não cobrar o nome dele no registro da criança ou qualquer ajuda financeira. Aos 18 anos ela veio para Juiz de Fora estudar. Quando ingressou na faculdade, ela se envolveu com o pai de seu filho, que omitiu já ser casado. A partir da descoberta da gravidez, veio também a descoberta de que o rapaz já teria uma família em outra cidade e seu relacionamento com ele chegou ao fim. “Na medida em que ele não quis saber eu também não quis, nunca cobrei nada dele, nem pensão. Responsabilidade e amor pelo filho a gente não precisa pedir” afirma.

Junto a essas circunstâncias, a Universidade entrou em greve. Juliana então decidiu retornar para a cidade em que morava com seus pais e acabou trancando a faculdade por dois anos. Porém, por acreditar na importância dos estudos para garantir qualidade de vida e um futuro para seu filho, ela voltou para Juiz de Fora deixando o bebê com sua mãe. Segundo ela, foi uma época muito difícil. Viajava para sua cidade todo final de semana, eram 8 horas de distância  e, ainda assim, carregava o peso da culpa de não estar com o filho e a saudade. “Eu pensava nele dia e noite, me sentia culpada dia e noite. Sofri bastante”. Com isso, Juliana acabou sendo reprovada em todas as disciplinas no primeiro semestre após o retorno. Persistiu por um tempo, mas acabou abandonando a faculdade. “Foi uma grande frustração para a minha família, que nunca me negou apoio. Eu sou mãe solo, mas não sou mãe sozinha, minha família sempre me amparou muito”.

Para ela, a figura do pai pode fazer falta, mas não é fundamental. No caso do seu filho, a necessidade foi suprida pela presença de seu irmão, muito dedicado e parceiro, e que acabou desempenhando algumas das funções de pai. “Meu filho nunca ficou sozinho nas festas da escola, dia dos pais, todo mundo sabia que ele era tio, mas ele participava de tudo. Isso fez muita diferença”. Juliana conta que quando pequeno o menino perguntava pelo pai. Porém, somente quando ele ficou maior, e teve condições de compreender, ela revelou a história.

Depois de algum tempo Juliana voltou para Juiz de Fora com o filho e começou a trabalhar, e mais tarde decidiu voltar a estudar. Prestou vestibular novamente e conseguiu em pouco tempo concluir a faculdade e seguir carreira, mas sempre com muita insegurança e medo de faltar para o filho. “Fui criando meu filho sempre com ajuda da minha família, mas sempre muito sozinha e com muito medo. Ser mãe é muito difícil, para todo mundo, não apenas para quem é mãe sozinha. Eu tinha medo de não dar certo, não dar conta, muito medo de morrer e ele ficar sozinho”

Segundo ela, foram muitas as dificuldades, por não ter com quem dividir os medos, e profissionalmente também foi difícil por não ter com quem deixar a criança enquanto trabalhava. Somado a isso, existiu também o preconceito da sociedade, de outros homens por ser mãe e não estar em um casamento, de preferência com o pai da criança.. Todos esses medos fizeram com que Juliana optasse por não se casar. “Não queria que ele tivesse padrasto, achava que era um risco de maltratar, risco de pedofilia”. Apesar de tudo, Juliana afirma que o filho viveu como qualquer outra criança. “Ele foi um adolescente comum, fez faculdade, formou-se e se casou”. Juliana explica que sempre cuidou para que o menino não se sentisse diferente, e que o fato de não conhecer o pai não fosse um peso em sua vida. Assim, na adolescência, ao ser perguntado se queria saber quem era o pai, o garoto respondeu que se seu pai fosse uma pessoa legal, eles não precisavam ter aquela conversa, encerrando o assunto.

Com todas as dificuldades, Juliana afirma que a maternidade lhe trouxe mais vida. “Passei por períodos difíceis, mas o fato de ter um filho e ser amada por ele fez minha vida valer a pena, foi o que me segurou e fez entender muita coisa em relação aos outros.

Jovem e sem nunca ter passado por dificuldades, Juliana tinha a tendência de acreditar que tudo era fácil, e assim, o sofrimento dos outros não a tocava, embora comovesse. Ela não se movimentava em relação ao próximo, mas depois da maternidade ela passou a se preocupar mais com as outras pessoas, mudando seu olhar para o mundo. “Eu ganhei vida e motivo para viver. Tive um amadurecimento que foi um salto. No dia em que meu filho nasceu, o olhar dele para mim transformou minha vida”, conta.

Juliana acredita que, diferente dela, muitas mães solo não queriam que fosse assim, sendo para elas, muito mais sofrimento que glória. Deste modo, ela se considera uma mulher de coragem. “Para ser mãe, solo ou não, todo mundo precisa de coragem”, conclui.

Notícias mais lidas