Dia nacional de combate a discriminação racial

03/07/2023

Nesta segunda-feira, 03 de julho é celebrado o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. A data faz referência à aprovação da Lei nº 1.390, pelo Congresso Nacional, em 1951, que tornou contravenção penal todo e qualquer ato de discriminação racial. Ela ficou conhecida como Lei Afonso Arinos, nome do seu autor, o então deputado federal pela UDN e foi a primeira lei contra o racismo no Brasil, mais de 60 anos desde a abolição da escravatura no país.

Embora tenha sido um importante passo em direção ao combate a discriminação racial ao reconhecer a existência do racismo e tipificar o preconceito racial como crime de contravenção penal, a lei teve baixo impacto e pouca eficácia. De acordo com a coordenadora de Esporte e Lazer do SINTUFEJUF, Ana Paula Machado, a Lei Afonso Arinos apresenta falhas e pouco efeito prático, uma vez que possibilita o pagamento de fianças e não prevê a injúria racial, que consiste na ofensa à dignidade ou decoro de alguém, utilizando-se elementos referentes à raça ou cor. 

Atualmente o combate a discriminação racial conta com uma legislação mais ampla, como a Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, a Lei nº 12.288/10, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Somente em janeiro de 2023, com a sanção da Lei 14.532, a prática de injúria racial passou a ser expressamente uma modalidade do crime de racismo. Até então, a injúria racial estava prevista apenas no Código Penal, com penas mais brandas e algumas possibilidades que agora deixam de existir.

De acordo com a coordenadora geral do SINTUFEJUF, Maria Angela Costa mesmo com a criminalização do racismo, a prática permanece no dia-a-dia do povo negro, quase sempre sem repercussão. “Até hoje acontece em vários  lugares as pessoas serem impedidas de frequentar espaços pela cor. A gente é impedida não só quando recusam a gente de entrar, mas também pelo próprio olhar e postura, e todo o ambiente já impede que muitos de nós queiramos entrar em algum lugar”, lamenta. Segundo ela, desde criança, as pessoas pretas são ensinadas a aceitar o racismo em silêncio e não reagirem. Entretanto, conforme a coordenadora, só se combate as práticas antirracista realizando o enfrentamento.

Após mais de 70 anos da primeira lei antirracismo em vigor, ainda há muito o que lutar e muito a ser feito contra o preconceito, a violência e pela garantia ao acesso a direitos humanos, promoção da equidade e justiça social.

Para Ana Paula, faltam ações institucionais, denúncia, registro, boletins de ocorrência. “Assim as pessoas entendem que a questão legal pode auxiliar inclusive na educação das pessoas, para mudar essa concepção que a sociedade apresenta tanto. O racismo institucional é aquele que a gente mais tenta atacar porque é o que a gente percebe que traz mais prejuízo para a comunidade negra”, explica. Trata-se da prática dentro de uma organização, empresa, grupo, associação ou instituição pública, em não prover um serviço para uma determinada pessoa devido à sua cor, cultura ou origem étnica.

O povo preto é maioria no país. Dados do Censo 2022, do IBGE apontam que 56% da população brasileira é formada por pessoas pardas e negras. Entretanto, esse mesmo grupo ainda vive em situações de maior vulnerabilidade, na educação, saúde, moradia, entre outros.

Conforme pesquisa recente divulgada pelo  2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), o país possui 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer. A proporção de negras e negros abaixo da linha de pobreza é de 71%, já a fração de brancos é de 27%. Ao observar os números de extrema pobreza, a discrepância quase triplica: 73% são negros e 25% brancos. Neste cenário, os lares chefiados por pessoas negras são duas vezes mais atingidos pela fome que aqueles chefiados por pessoas brancas, sendo a situação ainda mais grave  quando uma mulher negra comanda a casa.

Esses dados são reflexos das taxas de desemprego no país. Conforme divulgação do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), há uma desigualdade persistente entre o povo negro e não negro no mercado de trabalho.

De acordo com o Dieese, as mulheres negras são as  que enfrentam maiores dificuldades no mercado de trabalho. Conforme a pesquisa, no segundo trimestre de 2022, elas vivenciavam uma taxa de desocupação de 13,9%. Para os homens negros, a taxa era de 8,7%; para as não negras, de 8,9%; e para os homens não negros, foi observada a menor taxa, de 6,1%.

Segundo Maria Ângela, em relação ao mercado de trabalho, homens e mulheres negras são a maioria quando se trata de ocupações mais invisibilizadas e com os piores salários. Ou seja, além de impedidas de adentrar nos espaços físicos, conforme mencionado pela coordenadora anteriormente, a população negra também é impedida de ocupar os espaços de poder. Enquanto que a população branca ocupa os cargos de maior status. A pesquisa do Dieese retrata essa realidade. Os dados apresentam apenas 2,1% mulheres negras ocupando cargos de direção e gerência, contra 4,7% de mulheres brancas. Entre os homens, 2,3% dos negros ocupam cargos de direção e chefia, contra 5,6% de brancos.

Para fazer valer a legislação e combater o racismo, Maria Angela defende a necessidade de ocupar os espaços de luta, realizar manifestações, palestras, congressos e conferências. “O povo negro questionando, debatendo, mobilizando, se juntandoo e se organizando. Não tem outro jeito”, afirma.

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