No dia 25 de julho comemora-se o dia da trabalhadora e do trabalhador rural. Segundo o IBGE, são 16,5 milhões de pessoas, sendo a maioria agricultores familiares. As terras, porém, estão concentradas nas mãos de poucos, que adotam o modelo do agronegócio, cujos pilares são: a agroquímica, a manipulação genética e a mecanização. A mecanização substitui o trabalhador rural por máquinas. A manipulação genética permite ampliar a aplicação de monoculturas e a agroquímica permite o controle de restrições ambientais, através do uso de agrotóxicos, que estão na mira tanto dos grandes empresários do setor, quanto dos pequenos produtores e consumidores. A recente aprovação da “PL do Veneno” em uma comissão da Câmara dos Deputados reacendeu a discussão sobre os agrotóxicos no Brasil. Enquanto o governo defende a “modernização” da lei dos agrotóxicos, trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade buscam trabalho e alimento sem veneno.
Fernanda Mazzoni da Costa, técnica-administrativa em educação (TAE), enfermeira da Coordenação de saúde, segurança e bem-estar da UFJF, é uma das trabalhadoras que busca uma relação diferente com a terra e os alimentos. Ela conta que sempre sonhou em morar em uma casa com quintal e plantas. Ela e o marido, Andrea D’Amore, professor de yoga e gestor ambiental, resolveram se mudar para a área rural. “Há alguns anos começamos a ter vontade de plantar para nossa família e também poder compartilhar com as outras pessoas alimentos saudáveis, que fossem produzidos em harmonia com a natureza, numa filosofia de respeito pelas pessoas e pela nossa Grande Mãe Terra”, conta Fernanda. Há cerca de cinco anos o casal conheceu a agroecologia e começou a estudar mais sobre o assunto.
Eles estão começando a produzir agora e o foco é alimentar a família e comercializar o excedente, mas não pretendem se certificar como produtores de orgânicos por enquanto. Para eles a certificação gera a perda das relações de confiança entre pequenos produtores e consumidores, apesar de ser uma garantia de qualidade para o consumidor final. Enquanto isso eles estão comercializando somente para poucas pessoas, que conhecem seus valores e não exigem a certificação, pois confiam na produção de Fernanda e Andrea. A coordenadora de saúde do Sintufejuf, Luana Lombardi, também chama a atenção para os custos da compra e venda de alimentos orgânicos. Ela explica que o governo incide cobranças muito maiores de impostos e taxas sobre o produtor orgânico, do que sobre o produtor convencional, o que pode dificultar o acesso a esse tipo de alimento. “Nós estamos com uma batalha de fazer com que esses custos diminuam cada vez mais. Então a gente percebe que algumas coisas já estão no mesmo patamar de preço”, conta Luana.
Enquanto o agronegócio produz em larga escala, para atender às demandas do mercado internacional, a agroecologia e o cultivo de orgânicos são algumas das formas alternativas que podem servir como opção tanto para o trabalhador rural quanto urbano, como Fernanda e Andrea mostram. Luana Lombardi afirma que “dentro da região urbana existem vários movimentos verdes crescendo” e defende as hortas urbanas e a valorização da agricultura familiar. Para ela, mesmo quem tem só uma varandinha em casa “pode fazer um cultivo nem que seja de um pé de alface ou um cheirinho verde, alguma coisa que te estimule a ter um alimento saudável em casa e que você possa ter essa educação ambiental para os seus filhos e as pessoas que estão ao seu redor”. Para Luana essa “também é uma mudança significativa”.
A diretora regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST na Zona da Mata mineira, Vania Miranda, conta que o trabalho com os agrotóxicos é muito agressivo e acaba matando trabalhadores rurais da região, especialmente os que trabalham nas lavouras de café, tomate, abacaxi, banana, entre outros. “Todo latifúndio que ocupamos está gritando por socorro e para recuperar não podemos usar agrotóxicos. Temos que ter mais cuidado e paciência. E isso está diretamente ligado a agroecologia. O latifundiário não está nem aí para o rio que está secando, os peixes que estão morrendo, os passarinhos e aves que precisam continuar multiplicando as matas”, conta Vânia. Ela explica que a sustentabilidade e a alimentação saudável são alguns dos pilares do movimento e que para isso a agroecologia é fundamental, além de uma forma justa de valorização da força de trabalho, contrária à exploração do agronegócio e o uso de agrotóxicos.
A coordenadora de saúde do Sintufejuf, Luana Lombardi, afirma que “essa invisibilidade do impacto social e do impacto na saúde precisa acabar. A gente precisa tornar isso visível, público. Por que o que eles querem é só dinheiro, mais nada” e recomenda o trabalho do fotógrafo argentino Pablo Piovano, que fez uma série de fotos – “O custo humano dos agrotóxicos” – mostrando as vidas de adultos e crianças vítimas de agrotóxicos.
O Projeto de Lei (PL) n° 6.299/02, que ficou conhecido como “PL do Veneno”, trata do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no Brasil. No dia 25 de junho de 2018 a comissão especial da Câmara dos Deputados responsável por analisar o PL aprovou o parecer do relator, Luiz Nishimori (PR). Após a votação na comissão, o projeto ainda precisa ser apreciado pelo plenário da Câmara, para depois ir à votação no Senado. Se aprovado no Senado, o projeto é encaminhado ao presidente, para que seja sancionado e se transforme, de fato, em lei. A PL é de 2002 e foi proposta pelo então senador Blairo Maggi, que atualmente é ministro da agricultura do governo Temer e é conhecido como “rei da soja”.
O relatório substitui o termo “agrotóxicos” por “pesticidas” e prevê que esses produtos possam ser liberados para uso e venda no país a partir da autorização do Ministério da Agricultura, mesmo se outros órgãos reguladores, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído análises sobre os eventuais riscos do uso do produto. O relator da PL afirmou que a proposta visa “modernizar” a atual legislação, já que o processo de liberação de venda e uso de um agrotóxico, hoje, pode demorar até oito anos. A Anvisa, em nota técnica sobre a PL, reclamou da falta de estrutura e recursos para preparo dos profissionais, o que impede a realização de um trabalho mais rápido.
A lei atual dos agrotóxicos não estabelece um prazo limite para que os registros de novos produtos sejam concedidos. A PL do Veneno estabelece um prazo de 30 dias a dois anos para produtos novos no país. No entanto, se o prazo de análise não for cumprido pelos órgãos federais, as empresas poderão pedir um registro temporário e já colocar seus produtos no mercado, sem conhecermos seus impactos. Para esse registro temporário basta que o produto seja autorizado em pelo menos três dos 37 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Outra controvérsia do projeto está na indefinição dos critérios para proibir determinado agrotóxico no país. Atualmente a lei dos agrotóxicos proíbe substâncias que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas. A PL do Veneno proíbe as substâncias de “risco inaceitável”, definindo-o como “nível de risco considerado insatisfatório por permanecer inseguro ao ser humano ou ao meio ambiente, mesmo com a implementação das medidas de gerenciamento de riscos”, o que pesquisadores tem apontado como uma definição muito ampla e subjetiva, que pode acarretar na liberação de substâncias que causam doenças crônicas e cancerígenas.
A votação da PL do Veneno na Comissão especial da Câmara dos Deputados foi acalorada. Defensores da PL falaram sobre sua importância para a agricultura, um dos principais motores da economia brasileira, enquanto opositores à PL apontavam os riscos à saúde da população. Em nota técnica o Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão do Ministério da Saúde, afirmou que a modificação proposta pela PL coloca em risco as populações, “sejam elas de trabalhadores da agricultura, residentes em áreas rurais ou consumidores de água ou alimentos contaminados”. A Anvisa também condenou a proposta e afirmou que “não contribui com a melhoria, disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor”. Em audiência pública realizada no dia 23 de maio de 2018 outras entidades também se colocaram contrárias à aprovação da PL, como o Ibama, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o Fórum Nacional de Combate ao Uso Abusivo de Agrotóxico e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
A coordenadora regional do MST, Vania Miranda, afirma que “o ministério da agricultura é composto pelos dirigentes políticos do agronegócio, que são os beneficiários direto na ampliação dos lucros decorrentes do aumento do uso de agrotóxicos. E isso está ligado diretamente a exposição de mais risco para os trabalhadores, tanto no trabalho em si, quanto na nossa própria alimentação, no dia a dia, e mais ainda, contamina a mesa de toda a sociedade, pois consumimos sem saber”. Ela afirma que a união entre campo e cidade nessa luta “é uma união que gera vida”.
“Foi uma PL feita à revelia, ou seja para interesses únicos dos produtores do agronegócio”, afirmou Luana Lombardi. “O veneno não tem cheiro, não tem cor. Infelizmente a gente depende de órgãos reguladores pra poder saber o que tem veneno e o que não tem”, afirma Lombardi. Para ela a “PL do Veneno” afeta toda a saúde pública, já precarizada pela Emenda Constitucional n° 95, pois vai gerar um aumento de demanda dos serviços de saúde devido aos casos de intoxicação e outras doenças relacionadas ao manuseio e consumo de agrotóxicos
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